quarta-feira, outubro 04, 2006

Aurora Boreal

















"Tenho quarenta janelas
Nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
Posso ver através delas
O mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
Por outra a luz do luar,
Por outra a luz das estrelas
Que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
Como um vapor de algodão,
Por aquela a luz dos homens,
Pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
Pela menor a certeza,
Pela da frente a beleza
Que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
De quatro lados iguais, quatro arestas,
Quatro vértices, quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
Que as vigias são redondas,
E o sonho afaga e embala
À semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
Por aquela entra a saudade,
E o desejo, e a humildade,
E o silêncio, e a surpresa,
E o amor-dos-homens, e o tédio,
E o medo, e a melancolia,
E essa fome sem remédio
A que se chama poesia,
E a inocência,e a bondade,
E a dor própria, e a dor alheia,
E a paixão que se incendeia,
E a viuvez, e a piedade,
E o grande pássaro branco,
E o grande pássaro negro
Que se olham obliquamente,
Arrepiados de medo,
Todos os risos e choros,
Todas as fomes e sedes,
Tudo alonga a sua sombra
Nas minhas quatro paredes.
Oh janelas do meu quarto,
Quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
Falta-me a luz e o ar. "

António Gedeão

5 Comentários:

Blogger teorias disse...

Este é o verdadeiro poeta...
Está lindo o poema!

Também tenho as minhas janelas
mas muitas delas estão fechadas, escondem medos e esquemas,
teatros, artes... fachadas.
são várias as janelas
que não sei porque não abro
deixo assuntos, pego em temas
e com o tempo cravo
pregos nessas janelas
que mantenho fechadas!

outubro 09, 2006 3:01 da tarde  
Blogger Ponta Solta disse...

Tens de mostrar mais vezes essa tua veia poética! Andas a postar as tuas teorias e escondes que tens jeito para a poesia...

É tão fantástico, e acho que espelha tão bem a condição humana, que não resisti a postá-lo. Entre os medos e todas as coisas que as janelas da vida fazem entrar ou sair, por isso é dos meus predilectos.

outubro 09, 2006 4:18 da tarde  
Blogger teorias disse...

Também me aventuro pela poesia, mas não gosto de a colocar no blog... sinto que não tenho muito jeito para entrelaçar as palavras... mas também como ninguém lê... acaba por ser essa a minha opinião sobre o que faço!

outubro 10, 2006 11:42 da manhã  
Blogger Ponta Solta disse...

Eu não gosto, melhor, às vezes destesto, muita coisa poética que escrevo, mas não faço delete, simplesmente saiu de mim e opto por não publicar.

Se não houver críticas (construtivas leia-se) nunca vais poder saber!

outubro 10, 2006 5:01 da tarde  
Blogger teorias disse...

Eu percebo bem o que dizes. Mas uma coisa é ter acesso a críticas construtivas, outra coisa bem diferente é publicar no blog e estar sujeito a tudo...

outubro 11, 2006 9:02 da manhã  

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