Fotografia

Traço os contornos deste dia.
Lá fora,
Ficou a maresia,
Alguém que chora,
Uma fotografia,
Um fotógrafo num dia igual
Regista mais um momento final.
Traço os troncos das árvores
Que vi caminhar na viagem,
Traço a fotografia mental
Da desvanecida paisagem.
E ficou mais um momento
Passageiro e reconhecido
Do caminho percorrido,
Do meu alheamento.
Traço o futuro deste dia
Que morre numa noite qualquer,
Renasce da madrugada
Que sustento nas mãos,
Mas durmo.
Sem saber qual o canto
Sustentado no silêncio
De todas as coisas do mundo,
Sem saber que elas saem do lugar
E posam pra meus olhos
De cada vez que me levanto.
E há vida para além de nós,
Para lá dos momentos
Que ingenuamente contamos
Como sendo só nossos.
E sustenho nas mãos apenas
A fotografia do que foi
E que não vivi.
As palavras rotas
Do que não ouvi
E pouco importam,
Pois não mais se evocam.
Traço o retrato
Do dia na sua juventude desgastada,
E lembro-me
Que nesse dia
Também eu fui nada.
Contexto original da imagem:www.cortinastelle.it
10 Comentários:
O momento fotográfico, tal como ele é registado pela objectiva, é reducionista... deixa-nos com pouco espaço de manobra para a imaginação do momento(e olha que eu gosto de fotografias!). Gosto de olhar para o passado não como quem olha para um registo fotográfico, mas antes como quem vê um registo cinematográfico... com acção... com espaço para a ficção e para a criatividade... as minhas memórias vão sendo moldadas com o tempo... as fotografias... não!
Sim, concordo com o facto da fotografia ser redutora, e ainda o é mais quando retrata a vida que desconhecemos, aquilo que não se viu e ficou na ignorância...
Se retrata momentos que não vivemos... então não podem ser assim tão significativos! Que tipo de significado posso eu extrair ao ver fotografias de pessoas que~não eu próprio? Nunca tão significativo como vendo aquelas das quais faço parte... digo eu!
O problema não é o facto de serem muito ou pouco significativos, é o problema de não vermos certas coisas, não conhecermos, não termos horizontes tão alargados quanto achamos que temos... é o ter a cabeça a funcionar e divagar e ver que há muito mais do que aquilo que os olhos vêem e que muitas vezes só nos é dado a conhecer pelo redutor poder de uma fotografia...
Não quer dizer que seja muito significativo pra mim, quer dizer que tem a importância que lhe dou, porque penso nisso, ou pensei... e fiz disso registo!
Pensamentos (in)úteis???
De certo modo sim! Se não viveste... nada a fazer... pensa antes naquilo que ainda podes registar... e arrisca! Deves ter aprendido a lição, por isso nesta altura deverias estar mais aberta (se tiveres possibilidades de...) a partir para situações que te permitam registar as tais fotografias...
Não sei se na globalidade apreendo o que queres dizer... mas julgo também não estar totalmente desfasado... julgo eu!
Acho que me entendes, mas ao mesmo tempo eu não estou a falar concretamente de não-experiências, mas de coisas significativas com que perdemos imenso tempo que não conseguimos gerir e em simultâneo nos faz perder tantas outras coisas.
Um exemplo exacerbado: Dormir. Adoro dormir, mas penso: quantas milhentas coisas acontecem enquanto durmo? São devaneios e tenho consciência disso, mas eu tanto penso em coisas importantes, como solto as rédeas do pensar pelos meus devaneios!!!
Um terço da vida a dormir... um quinto da vida a trabalhar... um vigésimo a alimentarmo-nos... isto tudo junto são muito anos... que desperdício!!! Mas quantos anos passaremos nós à espera? Não será esse o maior despedício? O da inércia do pensamento e da acção?
Eu penso nisso, mas não quer dizer que viva na inércia inerente ao facto de pensar! Mas penso nisso e acho que é grave... metade, uma boa metade, é mesmo desperdiçada pq será inerente à sobrevivência... mas sobrevive-se para depois se concluir que enquanto se lutava pela sobrevivência, não se viveu ou gozou...
A vida é fantástica, mas tem uma vertente de estupidez que se faz notar...
bjs
Uma psicose... deve ser qualquer coisas por aí... ou por aqui! ;)
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