terça-feira, outubro 31, 2006

Breve registo biográfico...


As coisas “fáceis” nunca se esquecem. Dizem que fazer “coisa e tal” é como andar de bicicleta, que nunca se esquece. A verdade é que em míuda aprendi a andar de bicicleta, mas como parei uns anos, quase que tinha de voltar à muleta das rodinhas : P

Em verdade, esqueço-me muitas vezes de sonhar. Tenho os pés atados à terra, embora diga que procure não ser a ponta desatada, a ponta solta, falta a amarra do sonho, que é precisamente aquela que dizem que ninguém nos pode tirar.
Às vezes penso, como diria alguém que me visita, nas “sabotagens” da vida. E não vendo a minha vida muito sabotada, porque as verdadeiras injustiças da sabotagem passam diante dos nossos olhos todos os dias e achámo-las banais, não sei porque a terra firme dos sonhos me foge debaixo dos pés.

Penso na máxima do “Carpe Diem” e acho que ela não encerra o sonho. Encerra o “hic et nunc” e não o amanhã, o que quererei, o que ambiciono. Umas vezes melhor, outras pior, acho que é esse “seeze the day” que vou praticando, questionando só, se tenho sonhos para amanhã, se sonhar faz bem, ou apenas desenrola uma ilusão quotidiana. O Euromilhões, as Maldivas, eram muito bons. Sonhos criados a partir do geral, do comum. Do que consegue comprar alguns dos prazeres da vida.

Parece que tenho de aprender a pedalar a bicicleta dos sonhos particulares, e qual ET voar em direcção à terra firme dos sonhos...

Faúlhas









Recordo,
Traço em tintas fugazes
O teu esboço,
Aquele rosto moço,
Que em horas mordazes
Me consumia,
E ardia.

E dessa fogueira extinta
As brasas ainda incandescentes,
Marcaram a pele faminta,
E as memórias insistentes.

De novo a perfídia,
Da tua fotografia acesa
Feita moderna profecia,
Abalante de toda a certeza.

E incendeia,
Lume ateado de mãos,
Irrompido de sorrisos vãos,
Ilusória candeia.

Rosto entretanto apagado,
Lembrado de vez em quando,
Faulhando o coração acinzentado
Em eterno lume brando.


Fall
















Caem leves e pequenos os dias
Folhas recortadas e amarelecidas,
Caem leves e pequenos os dias,
Coisas amargas querem-se esquecidas.

Contexto original da imagem:www.sentimentosemimagens.blogs.sapo.pt

quarta-feira, outubro 25, 2006

Marasmo











Mares sem sal,
Doces sem sabor,
Praias sem ondas.

Em mim tombas
Insistente,
Deixando-me dormente,
Em confusos sentidos,
Sem alertas,
Todos perdidos.
O nada me despertas.

Em notas de balancé
Num embalo falso me levas,
Finco-te o pé,
Mas na tua rede me carregas…

Suspiros sem ânsias,
Expirados de balão cheio,
Tanto te receio,
De seres todas as instâncias.

Não há palavras ou palavrões
Que te afastem,
Nem acções que te desgastem,
Como às árvores os trovões.

Há sim, milhões de momentos,
Secularmente repetidos,
Em todos os tempos,
A ludibriar os sentidos.




Contexto original da imagem:www.blogfullmoon.blogs.sapo.pt

segunda-feira, outubro 23, 2006

Mar


























Quem te deu o nome
Colheu o marulhar com os lábios
E fez dele a palavra.

Contexto original da imagem: www.patricestanley.com

quinta-feira, outubro 19, 2006

Dias Turvos - II

Tarde,
Caem sobre mim os rumores
Da noite que se incendeia,
E os ternos terrores
Da consciência que me encandeia.

A sós,
Melhor do que no meio
De uma companhia distraída,
Ferve o temor e o anseio
Do chamamento da vida.


E é assim,
A travessia que tenho a percorrer,
E é guardando as pedras do caminho
Que meus castelos terei de erguer.

Tarde,
Chuva, vento e melancolia,
Terei sempre presente
Esta face fria
E o coração descontente.

Mas arrumo-a a um canto,
Como às folhas o vento,
Guardada num recanto,
Disfarçada em falso alento.

E é Tarde
Caem sobre mim os rumores
De noites em que fui esquecida,
Jazem por terra ternos temores,
Eu parti para outra vida...

sexta-feira, outubro 13, 2006

Negrume











De volta às origens.

Os meus dias podem nem sempre ser assim, mas é assim que me sinto estar...

quinta-feira, outubro 12, 2006

Dias Turvos - I


















Basta de murmúrios de desejos,
Basta de metades de beijos,
De promessas que ficam no ar
Suspensas por um fio invisível,
Parecendo sempre um fim intangível.

Chegam-me já as metades,
Das fraternidades
Nunca dadas a entender,
Chegam-me já os futuros promissores
Que nunca vou ver,
E os inúmeros amores,
Que nunca fiz questão de ter.

São já suficientes os inteiros finais,
Que em “fim” tudo é concreto,
E no principio e no meio, mais que incerto,
E sempre cheio de coisas mais.

Tenho fomes e sedes demais
Desse incerto, desse mais,
De tudo que não chega a acontecer.
Porque viver
É morrer lentamente,
É contentar-se com o sal da terra,
Fazer do incerto uma guerra,
E sair dele concretamente.



Contexto origibal da imagem:www.statticflickr.org

Existirei

Existirei?
Depois de trocadas as vontades,
Julgadas perpétuas,
Depois de atirarmos ao vento
Palavras arenosas
E voarem sem rumo?

Existirei?
Quando os fumos e os nevoeiros,
Não dissipados desde nunca,
Cobrirem nossos bateis em chamas,
E difundirem nossas dementes loucuras?

Existirei?
Quando houver aquela solidão
Que não existe,
Aquela que inventamos
Por existirmos a par,
Quais seixos iguais inexistentes?


Sim, vou existir,
Quando cada pedaço teimoso
Na memória longínquo,
Apenas me fizer sorrir.
Quando cada saudade pressentida,
Me enclausurar o ar da garganta,
E olhar o redor sem bruma.
Quando no mar o sargaço
Limpar no vaivém toda a espuma,
E ficar a água clara a lavar-me a alma.

Mágoa


Entrou e sentou-se. Assim desenhada sob falsos contornos de um idílio antes perfumado. E ficou silenciosa, sem convite.

Quando a vi chegar o outro já abandonara a sala, espelho da casa, para se instalar no quarto do fundo. Nunca se tinham visto, mas já se haviam falado, como num telefonema cujo som ecoa distante. E ela parecia convencida que ele, quando magoado, era muito semelhante a ela. Mas ela assim permanecia, sempre, silenciosa, discretamente se deixando a revelar. A figura perfeita de uma mulher sóbria, discreta.
Mas ele virara-lhe as costas. Fugia-lhe. E nessa recusa ela ganhava mais força, intensificava-se esse seu silêncio, a sua imponência ainda que pouco imperceptível, mas marcante.
Nas longas conversas que tiveram, ele estava quase sempre fragilizado, as agruras tornavam-no triste, as dificuldades calavam-no, faziam-no silencioso e dolorido. Como ela gostava de vê-lo assim! Como eram iguais, sendo tão diferentes!

Ás vezes, ele estava bem, incendiado de paixão, inflamado de desejo, feliz e de bem com a vida. E ela não se revia nele. Não gostava desses encantos, desses ardores, partida que estava de tanto existir em segredo. Queria ser ela a dominar, com tudo estampado no rosto, sem que fosse necessário dizer palavra para se fazer notar, para se fazer mártir sem tempo nem voz.
E nessa teimosia, ele consumiu-se, viu-se dominado. Talvez então, pensou, sejamos mesmo o espelho um do outro, se tantas vezes me magoei e nessas tantas ela me acompanhou e me entendeu, sem me levantar, sem me estender a mão, só estando tão só como eu…
E confundiram-se os dois.

E dominado, ele retirou-se do seu papel principal e deixou-a ocupar o seu lugar no centro da casa. Ficou refugiado no quarto dos fundos, apagado, solitário, resto de si próprio.
O Amor estava cansado e retirou-se. A Mágoa ficou sentada bem no centro da sala e aí reinou seu reinado sem tempo, nem voz…

terça-feira, outubro 10, 2006

Mais uma divagação, se calhar+1disparate

Relações, confiança, ilusão, medo, insegurança, auto-estima. Um monte de substantivos que transitam sobre mim, passam como se existissem automóveis, veículos de palavras, embatendo de frente comigo.
Está tudo interligado, mas não são todas parte integrante da primeira.

Magoar parece ser uma coisa muito fácil e não há limite vincado para onde começa e termina o acto de magoar. Há quem magoe pelo simples facto de estar desconectado da nossa realidade, há quem magoe por estar precisamente muito a par da nossa forma de ser, o faça sem dar conta, o faça por pura maldade.

A Omissão de certas coisas magoa, certo que não é igual a uma mentira, mas é grave, porque achamo-nos numa realidade diferente daquela que foi erigida em nosso redor. De repente, os nossos alicerces abanam. Não é a mesma coisa que uma mentira, mas pode ser igualmente entendido como uma traição, trair o nosso direito de participar ou saber. Até que ponto uma omissão é pequenina, inofensiva, sem importância, e até que ponto pode ser razão de desconfiança, incerteza, ruptura, e fazer transbordar águas dos aquíferos do passado, por baixo desses alicerces?

Reacções... Há pessoas que mantêm e muito bem a compostura depois de ter conhecimento de um facto omitido e que achavam de extrema importância. Agem indiferentemente. Não as atinge, a auto-estima está no auge perante todos os factos, os alicerces não abanam, estão seguríssimos da realidade erigida.
Para alguns o mundo cai, o terramoto da tragédia abana todas as estruturas, que se não forem seguras pela confiança rapidamente se desmoronam.
Eu acho que fico no intermédio... não sei muito bem o que é, onde fica, onde pára, tal como não sei dizer se confio, se me tenho em conta superior a tudo que possivelmente me abale. Mas sobretudo, e quando quem magoa é próximo, não sei como reagir. Vou arranjando um meio-termo entre a indiferença e o drama interno.

“Justiça” é uma das palavras cujo significado ainda perscruto, para decidir se a omissão merece a minha maldade completa, o meu desprezo, a minha indiferença; Um elevado sentido de justiça, aquele que segundo a vox populi, a casa que tem esse nome, poucas vezes consegue fazer. Como serei eu justa então, se os até os exemplos dados deixam a desejar!

Por vezes o turbilhão interior de sentimentos não nos deixa tomar as melhores decisões. Então e quando as coisas estão feitas e não há nada para decidir? Nenhum castigo dará reverso ao que foi já omitido. A “Desculpa”, essa palavra traiçoeira, que se não faz transbordar a sinceridade da boca de quem a profere, merda com ela, “as desculpas não se pedem evitam-se”, é mais um vocábulo na boca de toda a gente, cujo significado se perde...

Eu desculpo a mim mesma pela indecisão de ser abominável como nunca fui, esse lado está escondido num canto recôndito, mas existe, como em toda a gente. Será que uma omissão é quanto baste para revelá-lo?

A Hora indefinível do sorriso



As horas desnudam-se,
Flores despindo as pétalas.
Deixaram de ser horas,
Tempo medido e contado.

A hora é o encontro marcado
No incêndio dos sorrisos,
Que percorrem o ar,
E só sinto que são precisos
Todos os momentos
Que não posso contar.

Contexto original da imagem: www.meublog.net

quarta-feira, outubro 04, 2006

Aurora Boreal

















"Tenho quarenta janelas
Nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
Posso ver através delas
O mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
Por outra a luz do luar,
Por outra a luz das estrelas
Que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
Como um vapor de algodão,
Por aquela a luz dos homens,
Pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
Pela menor a certeza,
Pela da frente a beleza
Que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
De quatro lados iguais, quatro arestas,
Quatro vértices, quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
Que as vigias são redondas,
E o sonho afaga e embala
À semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
Por aquela entra a saudade,
E o desejo, e a humildade,
E o silêncio, e a surpresa,
E o amor-dos-homens, e o tédio,
E o medo, e a melancolia,
E essa fome sem remédio
A que se chama poesia,
E a inocência,e a bondade,
E a dor própria, e a dor alheia,
E a paixão que se incendeia,
E a viuvez, e a piedade,
E o grande pássaro branco,
E o grande pássaro negro
Que se olham obliquamente,
Arrepiados de medo,
Todos os risos e choros,
Todas as fomes e sedes,
Tudo alonga a sua sombra
Nas minhas quatro paredes.
Oh janelas do meu quarto,
Quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
Falta-me a luz e o ar. "

António Gedeão

terça-feira, outubro 03, 2006

Despertar















Numa noite qualquer
Eu vou conseguir colher o sonho
Arrastá-lo com as mãos até a manhã
E do sono de séculos
Presenteá-lo com o despertar.